domingo, 27 de novembro de 2011

Marketing de Sentimentos, por André Barros Leal

A minha compreensão do universo parece esvair-se a cada dia. Engana-se, contudo, quem imagina que tal episódio dê-se pela não busca de conhecimento, pela incapacidade de análise ou por ignorância. Acontece, porém, que a abundância de informações pelas quais somos bombardeados todos os dias por pessoas ou por mídias me deixa, cada vez mais, estarrecido – e confuso, até – com a fragilidade humana.
Deparei-me, outro dia, com o anúncio de uma manteiga que dizia que “qualidade de vida” começava com a escolha dela. Fiquei pasmo imaginando como uma manteiga me traria o item mais acossado da atualidade, responsável por diversas matérias sobre o assunto – isso quando não temos uma (e eu poderia citar, pelo menos, dez) revista dedicada inteira ao mesmo. Será que um pote de manteiga por mês me traria benefícios para eu, após um ano, afirmar que prezo pela minha saúde físico-emocional? Será que, ao contrário de comprar todas essas revistas healths do mercado, eu poderia me dedicar apenas a fazer uso daquela marca de manteiga? Financeiramente, com certeza, seria uma diferença significativa…
Maravilhado com a ambigüidade deste assunto, passei a observar outros diversos que passaram a me fascinar: vi desde marcas que não vendem computadores, vendem “solução”, outras que não vendem celulares, e sim “conectam pessoas”, a até – pasmem – mercado vendendo “aquilo que te faz feliz”. Significa que minha vida está resolvida: vou me conectar aos meus amigos com o meu celular, excluindo a necessidade de encontros em mesa de bar, festas ou eventos, ao menor sinal de problemas eu ligo meu computador para, rapidamente, buscar a saída deste, o que eu posso fazer muito bem sentado enquanto devoro colheres de manteiga a fim de cuidar da minha saúde. E o melhor é que, ao final, ainda terei tempo de ir ao mercantil comprar…aquilo que me faz feliz.
Que me desculpem os que consomem esses produtos – até porque tenho um celular do modelo que “conecta pessoas” –, cujos slogans são repetidos numa profusão de propagandas que nos permite até identificá-los sem a necessidade da revelar suas marcas, mas o que estamos vendendo mesmo? Sentimentos passaram a ser itens de prateleiras? Mas que tipo de marketing é esse?
Eu digo que é o marketing inteligente. Os profissionais da área perceberam que não têm mais como garantir a venda dos seus produtos ou serviços sem atrelarem a bons sentimentos, pois esses serão os diferenciais na atual situação em que as pessoas se encontram. E não falo como um profissional da área, não falo como o publicitário que pôs na propaganda de leite desnatado um casal lindíssimo acordando de manhã, sorridentes, com uma feição de quem passou um dia no salão de beleza, que saem correndo e se abraçando, logo cedo, numa praia impecavelmente limpa – onde nem concha se vê – com um céu irritantemente azul.
Falo como um indivíduo, entre tantos outros, que acorda com o sol no rosto inchado, irritado, que tem que ir pro trabalho – e não vai poder ir à praia, muito menos acompanhado, pois dormiu sozinho -, precisando escovar os dentes antes de falar com alguém e que toma do leite num ato quase desesperado, ambicionando conseguir um mínimo daquela sensação a ele atribuído no comercial.
É impressão minha, ou acabei de resolver uma charada? Analisemos: a propaganda me mostrou tudo aquilo que eu gostaria de ter…e atribuiu a um produto que não me custa nem cinco reais. Ela me fez parecer fácil – e barato – alcançar, não aquilo tudo exageradamente exposto na tv, mas aquele bem estar mostrado ali. Uma carência minha…Uma solução. Mas não é de leite, minha carência, embora em minha quimera eu estou a procurar no lugar certo.
Na era dos bate-papos virtuais, dos celulares com mensagens de texto, jogos, internet – e que, às vezes, funcionam até como telefones -, as pessoas estão cada vez mais dependentes desses itens para sentir-se bem, motivadas por uma carência invisível e nunca assumida. Dizermos hoje estarmos completos, bem e felizes diante da frieza das relações só pode refletir desumanidade.
A criação de comunidades virtuais aconteceu com o objetivo claro de facilitar o contato, porém o fator da má-utilização desta tecnologia está criando fantasmas, pessoas que não vemos a meses, anos, por muitas vezes que nem conhecemos, adentrando nossas casas, escritórios e vidas por meio de telas. E se vamos vê-las ninguém sabe, mas que ela foi a 459a. a ser adicionada no orkut é o que interessa. E outras vão surgindo, e é burlesco perceber como aquela mesma que diz que você é o seu melhor amigo virtual que alguém pode ter, que te manda smiles dando beijos ou abraços, gagueja tanto ao deparar-se frente-a-frente contigo.
Somos carentes sim, porque estamos tomados de um medo ridículo de criarmos ou movermo-nos para relações interpessoais mais entusiásticas e afetuosas, num mundo onde os valores se inverteram, as relações estão deturpadas, as pessoas inconstantes e, por muitas vezes, irracionais, onde usamos os meios a nós oferecidos – não para aproximação, mas – para darmo-nos por  satisfeitos com aquele ínfimo contato. Deparar-se com uma mídia que te oferece “sonhos”, “conforto”, “felicidade” ao invés de produtos parece ser o avistar de um pedaço de terra após um naufrágio emocional.
E viva o marketing de sentimentos. “Ironia” se encontra no segundo corredor, prateleira do meio.

Enviado p/ Michael Costa
Fonte: http://www.pelanoite.com.br/