A minha compreensão do universo parece esvair-se a cada dia.
Engana-se, contudo, quem imagina que tal episódio dê-se pela não busca
de conhecimento, pela incapacidade de análise ou por ignorância.
Acontece, porém, que a abundância de informações pelas quais somos
bombardeados todos os dias por pessoas ou por mídias me deixa, cada vez
mais, estarrecido – e confuso, até – com a fragilidade humana.
Deparei-me, outro dia, com o anúncio de uma manteiga que dizia que
“qualidade de vida” começava com a escolha dela. Fiquei pasmo imaginando
como uma manteiga me traria o item mais acossado da atualidade,
responsável por diversas matérias sobre o assunto – isso quando não
temos uma (e eu poderia citar, pelo menos, dez) revista dedicada inteira
ao mesmo. Será que um pote de manteiga por mês me traria benefícios
para eu, após um ano, afirmar que prezo pela minha saúde
físico-emocional? Será que, ao contrário de comprar todas essas
revistas healths do mercado, eu poderia me dedicar apenas a
fazer uso daquela marca de manteiga? Financeiramente, com certeza, seria
uma diferença significativa…
Maravilhado com a ambigüidade deste assunto, passei a observar outros
diversos que passaram a me fascinar: vi desde marcas que não vendem
computadores, vendem “solução”, outras que não vendem celulares, e sim
“conectam pessoas”, a até – pasmem – mercado vendendo “aquilo que te faz
feliz”. Significa que minha vida está resolvida: vou me conectar aos
meus amigos com o meu celular, excluindo a necessidade de encontros em
mesa de bar, festas ou eventos, ao menor sinal de problemas eu ligo meu
computador para, rapidamente, buscar a saída deste, o que eu posso fazer
muito bem sentado enquanto devoro colheres de manteiga a fim de cuidar
da minha saúde. E o melhor é que, ao final, ainda terei tempo de ir ao
mercantil comprar…aquilo que me faz feliz.
Que me desculpem os que consomem esses produtos – até porque tenho um
celular do modelo que “conecta pessoas” –, cujos slogans são repetidos
numa profusão de propagandas que nos permite até identificá-los sem a
necessidade da revelar suas marcas, mas o que estamos vendendo mesmo?
Sentimentos passaram a ser itens de prateleiras? Mas que tipo de
marketing é esse?
Eu digo que é o marketing inteligente. Os profissionais da área
perceberam que não têm mais como garantir a venda dos seus produtos ou
serviços sem atrelarem a bons sentimentos, pois esses serão os
diferenciais na atual situação em que as pessoas se encontram. E não
falo como um profissional da área, não falo como o publicitário que pôs
na propaganda de leite desnatado um casal lindíssimo acordando de manhã,
sorridentes, com uma feição de quem passou um dia no salão de beleza,
que saem correndo e se abraçando, logo cedo, numa praia impecavelmente
limpa – onde nem concha se vê – com um céu irritantemente azul.
Falo como um indivíduo, entre tantos outros, que acorda com o sol no
rosto inchado, irritado, que tem que ir pro trabalho – e não vai poder
ir à praia, muito menos acompanhado, pois dormiu sozinho -, precisando
escovar os dentes antes de falar com alguém e que toma do leite num ato
quase desesperado, ambicionando conseguir um mínimo daquela sensação a
ele atribuído no comercial.
É impressão minha, ou acabei de resolver uma charada? Analisemos: a
propaganda me mostrou tudo aquilo que eu gostaria de ter…e atribuiu a um
produto que não me custa nem cinco reais. Ela me fez parecer fácil – e
barato – alcançar, não aquilo tudo exageradamente exposto na tv, mas
aquele bem estar mostrado ali. Uma carência minha…Uma solução. Mas não é
de leite, minha carência, embora em minha quimera eu estou a procurar
no lugar certo.
Na era dos bate-papos virtuais, dos celulares com mensagens de texto,
jogos, internet – e que, às vezes, funcionam até como telefones -, as
pessoas estão cada vez mais dependentes desses itens para sentir-se bem,
motivadas por uma carência invisível e nunca assumida. Dizermos hoje
estarmos completos, bem e felizes diante da frieza das relações só pode
refletir desumanidade.
A criação de comunidades virtuais aconteceu com o objetivo claro de
facilitar o contato, porém o fator da má-utilização desta tecnologia
está criando fantasmas, pessoas que não vemos a meses, anos, por muitas
vezes que nem conhecemos, adentrando nossas casas, escritórios e vidas
por meio de telas. E se vamos vê-las ninguém sabe, mas que ela foi a 459a. a ser adicionada no orkut é o que interessa. E outras vão surgindo, e é burlesco perceber como aquela mesma que diz que você é o seu melhor amigo virtual que alguém pode ter, que te manda smiles dando beijos ou abraços, gagueja tanto ao deparar-se frente-a-frente contigo.
Somos carentes sim, porque estamos tomados de um medo ridículo de
criarmos ou movermo-nos para relações interpessoais mais entusiásticas e
afetuosas, num mundo onde os valores se inverteram, as relações estão
deturpadas, as pessoas inconstantes e, por muitas vezes, irracionais,
onde usamos os meios a nós oferecidos – não para aproximação, mas – para
darmo-nos por satisfeitos com aquele ínfimo contato. Deparar-se com
uma mídia que te oferece “sonhos”, “conforto”, “felicidade” ao invés de
produtos parece ser o avistar de um pedaço de terra após um naufrágio
emocional.
E viva o marketing de sentimentos. “Ironia” se encontra no segundo corredor, prateleira do meio.
Enviado p/ Michael Costa
Fonte: http://www.pelanoite.com.br/